Magnólia Costa

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Sobre tumbas e faraós

Amuleto em forma de olho wedjat III Período Intermediário (1076-722 a.C.) Faiança, 4,3 x 4,7 x 0,5 cm Aquisição anterior a 1888 © Museo Egizio

Cento e quarenta peças provenientes do Museo Egizio de Turim são uma espécie de iniciação ao Egito antigo para quem visitar o CCBB-SP nos próximos meses. É um recorte pequeno, considerando a coleção de 40 mil artefatos desse museu que detém o maior, mas não o melhor, acervo de egiptologia na Europa. 

            O processo de formação da coleção do Museo Egizio já valeria uma exposição. Com exceção do Museu Nacional do Egito, e de maneira muito semelhante a outras instituições que têm grandes acervos egípcios, a história da coleção do Museo Egizio é quase toda feita de ações pouco nobres como saques, roubos, apropriações indébitas e aquisições suspeitas. Essa história se inicia com a invasão napoleônica no Norte da África, no início do século XIX, e tem seu apogeu na descoberta da tumba de Tutancâmon por Howard Carter em 1922. Ao todo, são 120 anos de violência cultural e cem anos de mistificação eurocêntrica, o que é pouco comparado aos três mil anos de poder faraônico.

            Com tanta mistificação no mundo de hoje, a expectativa do público é grande. Essa expectativa é atendida de alguma medida pelos entretenimentos incluídos na curadoria de Peter Tjabbes e Paulo Marini, que fazem amplo uso de recursos cenográficos para as pessoas se sentirem diante da pirâmide de Quéops, embaixo da Esfinge de Gizé ou dentro da tumba da rainha Nefertari. Selfies garantidas, narcisismo acalentado e Egito ticado na lista dos mitos baratos que povoam as mentes contemporâneas.

            Para um contato menos superficial com a cultura faraônica, a leitura dos textos da exposição é fundamental, pois essa modesta coleção de artefatos é como uma ilustração deles, que apresentam três aspectos básicos do mundo egípcio antigo: as atividades cotidianas em uma sociedade altamente estratificada; a religiosidade votiva e mágica; e o culto à eternidade pelo provimento de necessidades materiais à vida em outro mundo.

            O ponto alto da exposição encontra-se, ironicamente, no subsolo do CCBB, onde foram colocadas pranchas desenhadas no século XIX, durante a invasão napoleônica. Ainda que um tanto fantasiosas – são obras de arte, afinal de contas! –, elas mostram a percepção dos europeus diante da magnitude das construções do antigo Egito, que eles viam em sua plenitude pela primeira vez. Essas gravuras, amplamente divulgadas, podem ter inspirado muitas viagens e expedições exploratórias. Consequências à parte, elas ajudam a entender o fascínio que o mundo dos faraós tem até hoje. 

            É uma pena que a crescente restrição de recursos financeiros inviabilize a produção de exposições de grande porte no Brasil. A instituição que deseja manter minimamente uma grade de exposições se adapta às limitações orçamentárias e faz o que pode para atrair o público. Quando se trata de garantir uma boa visitação, o investimento em cenários para selfies parece mais interessante do que empregar quantias elevadas em seguro e transporte especializado. O fato é que, a cada ano, o volume e a qualidade das exposições diminuem, mas o público aumenta. Esse fenômeno se explica com uma pergunta recorrente em várias instituições culturais: por que mostrar às pessoas o melhor quando elas se contentam com tão pouco? 

 

Egito antigo: do cotidiano à eternidade

CCBB-SP

De 19 de fevereiro a 11 de maio de 2020

Créditos das imagens: Estatueta em bronze da deusa Bastet (722-332 a.C.) | Múmia de gato (séc. III a.C. – século III d.C) | Estatueta de Hatshepsut (722-655 a.C.) | Estela funerária de Mekimontu Deir el-Medina (1550-1295 a.C.) © Museo Egizio