Magnólia Costa

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De volta à USP

Longe dos bancos escolares há muitos anos, tive a alegria de ser entrevistada pela Alumni USP, a plataforma dos ex-alunos. Nela, falo da minha carreira como professora de história da arte nos principais museus de São Paulo.

Por Rodrigo Rosa, publicado originalmente em Alumini USP http://www.alumni.usp.br/de-ex-alunas-da-usp-professoras-masp-e-mam/

Magnólia Costa é graduada, licenciada, mestra e doutora em Filosofia pela FFLCH-USP, especialista em Estética, ministra cursos sobre temas da arte ocidental no MAM-SP. Juliana Ribeiro é graduada, mestra e doutora em História pela FFLCH-USP, especialista em estudos africanos, leciona sobre arte africana no MASP. Renata Martins é doutora pela FAU-USP, onde também fez pós-doutorado, especialista em barroco, leciona sobre este tema também no MASP. Elas falaram sobre suas pesquisas, suas experiências como ex-alunas USP e sobre como é o ambiente dos museus em que oferecem seus cursos.

 Magnólia Costa, você ministra alguns dos cursos de arte do MAM-SP. Como é lecionar fora do ambiente universitário, ou seja, como é o público do MAM que participa destes cursos? Como é levar a informação, oferecer o debate e qual a recepção deste público, especialmente o que faz o curso e não segue a carreira de pesquisador e são de outras áreas, mas têm interesse em arte?

Magnólia Costa Santos: – Os cursos do MAM são livres, ou seja, podem ser frequentados por quem se interessar pelo seu conteúdo. Por esse motivo, o público é bastante heterogêneo. Há pessoas de várias faixas etárias, profissões e classes sociais. Creio que o próprio ambiente do Museu favorece isso, pois é destinado a receber um público diverso. No MAM, visitantes e alunos buscam abordagens da arte e da cultura que enriqueçam sua visão de mundo, sem compromisso com desempenho acadêmico. Museus são lugares onde o público experimenta e avalia, não onde ele é avaliado.

No MAM você leciona disciplinas de história da arte ocidental. Atualmente está ministrando dois cursos, que estão ocorrendo agora. Como é o curso Imagem e Identidade? Trata-se de um curso que estuda filósofos da Estética?

“Tenho duas linhas de trabalho: História da Arte ocidental e Cultura Contemporânea. Os cursos de História da Arte são organizados em períodos, abrangendo produções do século XV ao XX. Os cursos de Cultura Contemporânea são temáticos. Incluo nessa categoria títulos que adentram o campo da crítica de arte.

No curso “Arte e identidade”, proponho analisar o papel da imagem na formação do imaginário coletivo e, a partir daí, de sua centralidade na construção da identidade. O referencial teórico é amplo. Envolve Filosofia, com pensadores de três períodos diferentes (antigo, moderno e contemporâneo), e Sociologia, em particular pensadores da Escola de Cambrigde.”

Sobre o curso de Arte Política: fazendo um paralelo com o ataque que o MAM sofreu recentemente com o 35º Panorama da Arte Brasileira, em que o vídeo de uma performance do Wagner Schwartz foi retirado de exposição, verifiquei que teve uma aula neste curso chamada Arte Degenerada, sobre a perseguição do Terceiro Reich às obras modernas. Você acha que de alguma maneira a arte algum dia estará livre da censura de grupos autoritários? Qual a importância do estudo da Filosofia (talvez no Ensino Médio) para criar senso crítico nessas pessoas?

“Com relação à questão do Panorama, eu diria que o MAM não foi censurado, mas foi alvo de ataques, de uma tentativa de censura por parte de grupos que disseminaram uma percepção distorcida de uma obra de arte. O vídeo a que você faz menção jamais foi exibido, a fim de proteger o artista e o público.

Eu ministro o curso “Arte política” há alguns anos. O tema da degeneração é central para compreender como os dispositivos de controle autoritários se manifestam, desqualificando, oprimindo e condenando a expressão livre do pensamento. Por meio de várias disciplinas, a Filosofia aborda as ideias de maneira racional, visando ao esclarecimento e ao conhecimento. Na minha opinião, a Filosofia deveria estar presente em todos os níveis de ensino, não somente no Médio.”

Você de alguma maneira trabalha com curadoria das exposições do MAM (ou de exposições fora dele?), ou trabalha somente na área dos cursos? E além do MAM, que outras experiências profissionais você poderia contar um pouco, que foram importantes para você?

“Faço curadoria de exposições eventualmente, quando comissionada, no MAM e em outras instituições. Minha atuação profissional se estende para dois campos: o do ensaio e o editorial, onde acumulei diversas experiências. Traduzi clássicos da literatura francesa, trabalhei como redatora e revisora, editei vários livros. No MAM, inclusive, coordenei o Setor Editorial por anos.”

Toda a sua formação foi no Departamento de Filosofia da FFLCH. Mestrado e Doutorado em Estética. Como foi o ensino da Estética na graduação em Filosofia? Todos os graduandos estudavam Estética ou era um campo mais de disciplinas optativas? Nos tempos de graduação você já pretendia seguir pesquisa nessa área?

“Sempre me interessei por arte, em particular pela abordagem teórica da arte. Foi esse interesse que me levou à Filosofia e à Estética. Quando cursei a graduação, havia um mínimo de créditos obrigatórios a serem cumpridos nessa disciplina. Não sei se essa obrigatoriedade existe hoje em dia. De todo modo, além dos créditos obrigatórios, eu procurei fazer todos os optativos na disciplina do meu interesse. Depois, tanto no Mestrado como no Doutorado, escolhi as disciplinas em função da minha pesquisa em Estética.”

Entrando mais na sua pesquisa de Doutorado. Você poderia falar um pouco sobre sua tese? Quais foram as principais bases que o curso de Doutorado (disciplinas, orientação) lhe ofereceu para o desenvolvimento da sua pesquisa? Como foi o processo de pesquisa? Qual a importância de Nicolas Poussin para a pintura de paisagem?

“Minha tese se intitula “Nicolas Poussin: Idéia da paisagem”. Eu a defendi em 1997, sob orientação do Prof. Dr. Léon Kossovitch, com quem me iniciei na Retórica, o meu referencial teórico mais importante. Desenvolvi minha metodologia de pesquisa a partir do instrumental fornecido pela Retórica, por isso os pensadores da antiguidade, tanto grega como romana, são a base da minha análise da obra de Poussin.

Meu interesse por esse artista nascido na França e radicado na Itália surgiu durante a pesquisa do Mestrado, que eu dediquei à gênese da crítica de arte em Denis Diderot, um filósofo iluminista. Nos textos de Diderot e nos de seus contemporâneos, as referências a Poussin como pintor modelo eram tantas que, ao final da pesquisa, eu queria entender por que. Ao me dedicar a Poussin, percebi que uma de suas principais contribuições à arte produzida em seu meio era a pintura de paisagem, um gênero cujos preceitos ele ajudou a formar. Me intrigava saber por que essa produção não era muito mencionada pelos contemporâneos de Poussin. Minha tese é fruto dessa investigação. Ela foi indicada para publicação. Os originais estão no prelo, na Edusp.”

Quais os filósofos que tratam de Estética que lhe serviram de referência ao longo da sua pesquisa (seja enquanto estudante na pós ou ao longo da carreira de pesquisadora/ professora)? Talvez os franceses que estudou no período de Intercâmbio em Paris?

“No Mestrado, que eu dediquei a um filósofo, Denis Diderot, mas o conhecimento de Platão foi fundamental para o desenvolvimento dessa pesquisa, bem como o de autores que hoje não são considerados filósofos – como Cícero, Horácio e Quintiliano – e de preceptistas das artes, como Alberti e Vasari, além de outros do século XVIII.

Esse referencial forneceu uma base muito sólida para minha pesquisa de Doutorado, à qual acrescentei autores dos séculos XVI e XVII, entre os quais Agostino Mascardi, Lodovico Dolci e Sebastiano Serlio. Embora as análises produzidas no século XX pela crítica especializada em Poussin tenham sido muito úteis para minha pesquisa, construí meu trabalho sobre fontes primárias. Ter tido acesso a elas foi fundamental.”

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