Jardins do Tempo

Sou paulistana como o Pazé, que produziu 110 obras inéditas para esta exposição. Como ele, também gostaria de ver a minha cidade natal cheia de parques. Pazé inventou uma maneira de dar a São Paulo mais área verde destinada ao lazer. Sua proposta é requalificar quatro cemitérios municipais para acolherem jardins botânicos. Pazé, que também é engenheiro agrônomo, pesquisou o assunto durante oito anos e me convidou para curar esta exposição há três. Desenhos, aquarelas, fotos, plantas arquitetônicas e até um filme de curta metragem mostram como transformar uma cidade criando jardins. A exposição fica em cartaz no CCBB de São Paulo de 17 de agosto a 28 de outubro.

Os meus textos de curadoria e as imagens de algumas obras dão uma ideia do projeto, mas o contato com a arte é insubstituível. Se puder, não perca

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Jardins são invenções humanas. Eles existem há séculos em diferentes regiões do planeta e em diferentes culturas, mas com o mesmo propósito: proporcionar a quem os frequenta uma experiência harmoniosa do mundo. Nas grandes cidades, os jardins públicos são espaços concebidos para alívio das tensões do cotidiano, convidando ao lazer e ao contato com outros seres vivos.

A vida se dá numa sequência de fenômenos. Nascimento, desenvolvimento e perecimento são etapas do ciclo vital que se repete no tempo. Já o tempo é o grande mistério da vida, que se dá sempre no presente, pois o que passou não vive mais e o que passará só existe em potência.

Em um jardim, sementes se tornam plantas que crescem e fenecem, deixando mais sementes. Cuidar delas é o primeiro passo para formar uma cultura, uma prática de cultivo. No jardim, o ciclo da vida se apresenta em todas as etapas, favorecendo a lembrança do passado e a projeção do futuro. Jardim é lugar de participar da cultura.

Jardins do tempo é uma proposta de Pazé para São Paulo, sua cidade natal. Ela consiste em oferecer à população quatro jardins botânicos cultivados com espécies da flora brasileira em terrenos públicos hoje destinados apenas à função funeral. Requalificados, esses espaços seriam reinseridos na cultura urbana para fins de lazer e convívio, além da finalidade inicial.

Jardins do tempo convida o visitante a conhecer o potencial de uma semente plantada em um lugar onde o contato com a riqueza da vida é um incentivo ao cultivo da paz.

Locais de cultivo

Espaços públicos como os do Araçá, do Vila Nova Cachoeirinha, do Vila Formosa e do São Pedro (Vila Alpina) ocupam, juntos, uma área de 1,3 milhão de metros quadrados, superior à do parque Ibirapuera.

Quando esses terrenos foram destinados a serem utilizados como cemitérios, sua distância relativa ao centro da cidade era um critério relevante. Há décadas, porém, o intenso crescimento da zona urbana de São Paulo invalidou esse critério. Antes afastados, esses locais hoje se encontram em meio a zonas densamente povoadas e amplamente atendidas pela malha de transporte público. No entanto, embora centrais e acessíveis, eles têm sido progressivamente abandonados, o que vem gerando danos ambientais e patrimoniais, além de sua desarticulação da vida urbana.

Para fazer os Jardins do tempo

A transformação de cemitérios públicos em jardins envolve a requalificação da área funeral em quadras verticais, a criação de um lago para a captação de águas pluviais e de uma estação de tratamento para o abastecimento das áreas circundantes, a adequação do terreno para acessibilidade plena e a construção de áreas de convívio, educação e lazer, além de viveiros para cultivo de espécies alimentícias e medicinais, plantio de árvores e remanejamento da vegetação preexistente.

Araçá

Com uma área de 222 mil metros quadrados, o Araçá é um dos cemitérios mais antigos de São Paulo. Foi fundado em 1887, no período de construção do atual Hospital Emílio Ribas, uma área então afastada do centro.

Seu terreno é ocupado por dois conjuntos de construções tumulares erguidos em momentos diferentes e com valores artístico e arquitetônico totalmente distintos. O conjunto mais antigo, que ocupa cerca de 90 mil metros quadrados do terreno, apresenta um rico patrimônio tumular que está completamente deteriorado. Esse patrimônio seria restaurado e mantido em sua integridade. Um parque e uma quadra vertical seriam criados nos 132 mil metros quadrados de área restante, quase três vezes maior do que a área ocupada pelo parque Trianon, na avenida Paulista.

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Vila Nova Cachoeirinha

A necrópole empresta o nome do distrito onde está situada, na Zona Norte de São Paulo. Foi fundada em 1968 e se estende por uma área de aproximadamente de 350 mil metros quadrados cercada por residências e estabelecimentos comerciais.

O espaço possui uma capela, que seria restaurada. Três módulos de quadras verticais com 100 metros de lado, divididos ao meio, seriam dispostos para melhor aproveitamento do terreno, em substituição a uma extensa área onde a maior parte dos sepultamentos vem sendo realizada em covas rasas, em contato direto com a terra, contaminando o terreno e o lençol freático.

Além das quadras verticais, destacam-se as áreas de convívio, com salas de estar e leitura, café, restaurante, sanitários, viveiros de plantas e de pássaros, salas de aula, bem como as áreas de lazer com quadras poliesportivas e parque infantil. A área destinada a lazer equivaleria à do parque da Juventude, também situado na Zona Norte, a 7 quilômetros de distância.

Vila Formosa

Com 763 mil metros quadrados, é a maior necrópole pública da América Latina e a quarta maior área verde de São Paulo. Também aqui os sepultamentos são realizados diretamente na terra, em túmulos provisórios, sendo fonte de constante contaminação desde a fundação, em 1949. Os restos exumados após três anos são acomodados em ossários construídos em paredes ao longo dos muros, sem qualquer padronização.

Situada na Zona Leste de São Paulo, a Vila Formosa é uma das regiões mais carentes de áreas públicas de lazer. O extenso terreno do cemitério é como uma ilha em um entorno de 150 quilômetros quadrados de construções residenciais, em uma região quase sem árvores.

O Vila Formosa possui imensas áreas planas de vegetação rasteira que poderiam receber um lago de 1 mil metros de extensão. Assim como o lago concebido para os espaços compreendidos na proposta de Jardins do tempo, o do Vila Formosa, que reproduz a forma do lago das Ninfeias do Jardim Botânico de São Paulo, teria a importante função de captar a água das chuvas, que seria tratada numa estação de pequeno porte similar à de Ribeirão da Estiva, no município de Rio Grande da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Captada e tratada adequadamente, a água do lago serviria à irrigação dos jardins e ao abastecimento da comunidade estabelecida em volta do parque.

Além do caráter utilitário, o lago tem um papel importante na concepção paisagística do parque, atraindo aves aquáticas nativas.

São Pedro (Vila Alpina)

Também situado na Zona Leste, na Vila Alpina, o São Pedro foi inaugurado em 1972, numa área de mais de 220 mil metros quadrados contígua ao Parque Professora Lydia Natalízio Diogo, cujos 70 mil metros de extensão seriam incorporados ao projeto, bem como as quadras poliesportivas situadas nas adjacências. A área total seria de aproximadamente 350 mil metros quadrados, muito superior à do Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador, localizado a 5 quilômetros de distância.

Como em outras necrópoles públicas, os túmulos do São Pedro são provisórios e os sepultamentos são feitos na terra. Porém, ele possui um acervo arbóreo notável, particularmente rico em espécies frutíferas que atraem grande variedade de pássaros.

Ao patrimônio botânico já existente, que seria rearranjado, seriam acrescentadas mais de vinte espécies brasileiras, muitas das quais em risco de extinção, como pau-ferro, pau-brasil, guariroba, jequitibá-rosa, araucária e jatobá. Mudas dessas árvores seriam cultivadas no viveiro e disponibilizadas para venda.

Jardim Botânico

O Brasil possui uma flora extraordinária, que corresponde a quase 20% do patrimônio botânico mundial. Milhares de espécies nativas são ricas em nutrientes e propriedades medicinais. Castanha-do-brasil, sapucaia, araçapiranga, grumixama e cereja-do-rio-grande são algumas dessas espécies representadas por frutos em uma série de aquarelas de Pazé, sementes dos Jardins do tempo.