A poética da razão

A trienal acabou há pouco tempo, mas já deixou saudade. Foram cinco meses de atividades e três exposições diferentes para mostrar como a arquitetura pode se posicionar face à apavorante realidade do superpovoamento, à escassez de recursos vitais e à barbárie comportamental crescente. Com curadoria geral de Éric Lapierre, A poética da razão levou a três importantes espaços culturais de Lisboa reflexões sobre a arquitetura como disciplina capaz de modelar espaços e articular soluções.

Economia de meiosAgricultura e arquitetura: do lado do campo e Espaço interior são exposições complementares que propõem cada qual um conjunto de percepções sobre o que é a razão em arquitetura, ou melhor, sobre a razão de ser dessa disciplina que é filha da necessidade e do sonho.

Do lado da necessidade, Agricultura e arquitetura, montada na Garagem Sul do Centro Cultural Belém, propõe a reaproximação dessas duas disciplinas que começaram a se distanciar após a Revolução Industrial. A exposição parte do pressuposto de que a permacultura é um tipo de arquitetura e convoca cientistas agrícolas, ativistas e designers para pensar a redefinição de territórios e sua ocupação diante do crescimento incessante das metrópoles. Um diagrama um tanto confuso foi a forma escolhida para apresentar um mapa de relações interdisciplinares, propondo a passagem da agronomia à agroecologia e o ruralismo como possibilidades para lidar com o caos ambiental previsto há cinquenta anos e deliberadamente ignorado até hoje. Há um que de romântico no “regresso ao campo” proposto na exposição, que se coloca em afinidade com aquilo que Rem Koolhaas traz na mostra Countryside, The Future, inaugurada no dia 20 de fevereiro no Guggenheim de Nova York.

Do lado do sonho, Espaço interior, exposta no Museu Nacional de Arte Contemporânea, faz um levantamento dos movimentos coletivos e individuais voltados para o caráter projetual dos processos criativos. O resultado é um mergulho em uma “imaginação arquitetônica”, na qual maquetes, desenhos e ready made são colocados como obras de arte, ao lado de games e alguns dispositivos de realidade aumentada. Infelizmente, esses objetos não se autonomizam nem proporcionam nada além de uma experiência lúdica, um mero passatempo. Referências a coleções, como as de um gabinete de curiosidades ou mesmo ao museu imaginário de Malraux, não bastam para evocar construções mentais fantásticas, muito menos para induzir o público a concebê-las.

Reunindo necessidade e sonho como elementos essenciais à razão de ser da arquitetura, Economia de meios, no MAAT, traz o conceito desta quinta edição da Trienal de uma maneira mais sintética, em que a “poética” referida no título prevalece sobre a “razão”, valorizando antes o aspecto estético da arquitetura do que seu aspecto utilitário. Mostra disso é a apologia ao recurso mínimo e a crítica aos meios (re)produtivos. Há, é claro, várias referências ao racionalismo da arquitetura modernista desde o campo conceitual – modulação, repetição, escala, vazio, eficiência – até o campo dos modelos individualistas e autossuficientes como o da Casa Domino de Le Corbusier, o Minimum Dwelling de Charlotte Perriand e o One Room Apartment de Cornelius Meyer. Eu adoraria ter visto aí o Altar, uma casa flutuante autônoma lançada recentemente pelo meu amigo Facundo Guerra. Tem tudo a ver com a exposição!

Apresentadas em uma museografia profusa, porém harmoniosa, essas ideias se apresentam com clareza para um público amplo, virtude raramente atribuível às exposições de arquitetura, quase sempre técnicas e abstratas demais. A linguagem expositiva amena e o tempero poético da razão convergem para uma discussão instigante sobre os modos de vida no futuro próximo.

 

 

A poética da razão

5ª Trienal de Arquitetura de Lisboa

De 3 de outubro de 2019 a 16 de fevereiro de 2020

Curadoria geral: Éric Lapierre

Créditos das imagens: Trienal de Arquitetura de Lisboa © Magnólia Costa. Altar, casa flutuante e completamente autônoma idealizada e construída por Facundo Guerra, que generosamente cedeu as fotos para o blog Arte com Mag