Museografia não é arte, mas é quase
Em um museu de arte, a obra é protagonista da exposição. Profissionais especializados na arte de mostrar arte garantem esse protagonismo. Eles são arquitetos que projetam os espaços expositivos para adequarem às obras, valorizando aspectos que a curadoria considera relevantes em sua apreciação. Esse trabalho é chamado de museografia, e acontece numa ação conjunta de arquitetos e curadores.
Muito da nossa percepção de uma exposição está associado à museografia, que envolve a determinação das características do espaço e os recursos utilizados na montagem, para que o público receba a exposição de uma determinada maneira. Essa maneira depende do partido adotado na museografia. Quando o partido é neutro, a obra é soberana, mal se nota o espaço; quando é assertivo, a relação da obra com o espaço é enfatizada, o que requer do público uma atitude mais ativa; quando é impositivo, o espaço se sobrepõe à obra, que pode até sumir. Muitos fatores são considerados na escolha do estilo de museografia, sendo a obra o mais importante – de que adiantaria usar uma museografia neutra para exibir uma obra que não se sustenta sozinha?
Exposições dedicadas a museografia são raras, talvez porque se considere que o público não se interessa por assuntos tão técnicos. Quando um museu arrisca fazer uma mostra sobre modos de expor, o público tem a oportunidade de perceber que, por trás daquilo que deveria ser invisível há muita arte, e que ela é cheia de sutilezas que conformam a nossa maneira de ver arte. O Museu da Fundação Calouste Gulbenkian organizou uma mostra assim, que além de discutir o que é museografia, promove a reflexão sobre o estilo expográfico utilizado para exibir a própria sua coleção em caráter permanente.
Inaugurados em 1969, os espaços expositivos da Gulbenkian refletiram as concepções museográficas do designer Franco Albini, um mestres no design contemporâneo de museus, juntamente com Carlo Scarpa. Recriando algumas das soluções dos anos 1960 utilizadas em exposições de arte, a mostra Art on Display – Formas de expordestaca o contraste entre a suspensão e a fixidez na disposição de obras com soluções lúdicas e imersivas propostas por Aldo van Eyck e Franca Helg, bem como pelo casal britânico Alison e Peter Smithson.
Os visitantes da exposição podem experimentar cinco formas diversas de olhar e conviver com a arte em ambientes reconstituídos a partir de fotos de arquivo e desenhos arquitetônicos que apresentam as soluções de museografia pensadas para a Gulbenkian. As obras pertencem ao acervo da Fundação, é claro.
Merece destaque o ambiente expositivo do MASP recriado a partir do projeto de Lina Bo Bardi para a sede da avenida Paulista. Ao lado dos cavaletes de vidro que revelam o verso das obras, há textos e imagens muito esclarecedores das propostas museográficas de Lina, como os displays que ela desenhou para a primeira sede do MASP, na rua Sete de Abril, no início dos anos 1950, que são diretamente inspirados nos tubos verticais fixos de Albini e Helg. Em 1954, a dupla esteve em São Paulo e desenhou a museografia de uma exposição de pinturas dos séculos XVI e XVII no MASP. As obras pareciam flutuar sobre as paredes recobertas de tecidos soltos e iluminados. Teria sido essa a inspiração de Lina para a exposição da Bahia em 1959? É muito provável.
Art on Display – Formas de expor
Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
De 08 de novembro de 2019 a 02 de março de 2020
Curadoria: Penelope Curtis e Dick van der Heuvel
Créditos das imagens: vistas da exposição com a recriação dos projetos de Aldo Van Eyck, Carlo Scarpa, Franco Albini & Franca Helg e Lina Bo Bardi © Pedro Pina