Arte e cultura no Brasil
“O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil” Os versos de Aldir Blanc remetem a um país que mal percebe a si mesmo e que, quando se dispõe a tanto, o percebe a partir da lógica do que almeja ser.
Querelas do Brasil foi composta em 1978, quase quarenta anos depois da ufanista Aquarela do Brasil de Ary Barroso. Tendo a ditadura como pano de fundo, ambas as canções retratam um país que desvia os olhos da própria realidade para se contentar com a exaltação alienada que disfarça um pedido de socorro.
Entre o orgulho de ser brasileiro e a crítica depreciativa do Brasil não existe paradoxo, mas descaso. A extensa literatura dedicada aos “estudos brasileiros” confirma isso. Ela gravita em torno da questão: o que é o Brasil? Se estivéssemos atentos à história e quiséssemos tomar-lhe as rédeas, certamente não nos perguntaríamos quem somos. Se existe um país em que identidade é um problema, esse país é o Brasil.
Mais do que a identidade propriamente, me interessa a razão de ela ser um problema. A leitura de Raízes do Brasil me despertou para isso há muito tempo. Quando li Visão do paraíso pensar o problema da identidade do Brasil virou obsessão. Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Mário de Andrade e Guimarães Rosa me levaram às raias da loucura, mas o que me fez delirar foram as imagens do Brasil inventado pelos modernistas, os hoje clássicos (e hegemônicos) Di Cavalcanti, Portinari e Tarsila.
Moldei minha ideia de Brasil no contato com obras integradas ao currículo escolar obrigatório, mas cultura é infinitamente mais complexa e diversa do que aprendemos na escola. Sua riqueza deve à diversidade, e essa raramente é apresentada ou experimentada como tal. Isso me faz pensar por que o debate sobre o diverso sempre foi evitado, quando não frontalmente atacado. Olhar para o diverso revela a realidade que nós, brasileiros, evitamos.
Três vezes eu montei e ministrei cursos sobre arte brasileira, com o objetivo de discutir a identidade do Brasil. Todas as três me frustraram de alguma maneira. Percebi que o tema não suscitava curiosidade e que os autores e artistas que eu analisava eram vistos como matéria de vestibular que havia cumprido seu papel. Vez ou outra surgia uma discussão mais acalorada, mas no geral o clima era morno. Temas pontuais como modernismo, bienais e nova objetividade envolviam as pessoas mais do que o debate sobre as instituições que os apoiaram. Apesar de essenciais ao fomento da produção artística no Brasil (mais precisamente no eixo Rio-São Paulo), os museus brasileiros nunca se autonomizaram nem se fortaleceram de verdade. No meu entendimento, debater a fragilidade e a inconstância das instituições é tocar no cerne da desigualdade, é encarar o abismo. Pouca gente se dispõe a isso.
Sei que nado contra a correnteza. Insisto nisso. Se o meu êxito em persuadir pessoas a atentar para a cultura não é dos maiores, vou atrás de quem seja tão obstinado quanto eu em falar sobre Brasil, em pensar a identidade por meio da arte. Encontrei essa obstinação em cinco pessoas muito diferentes de mim e entre si: André Santos-Bispo, Anthony Karaí Poty, Barbara Jimenez, Uila e Vanessa Lima. Seu olhar se nutre na riqueza étnico-cultural do Brasil. É um olhar que parte do passado e mira o futuro.
Arte e cultura no Brasil é um sonho realizado e uma esperança também. Sonho porque meus colegas dão a este curso o multiperspectivismo que eu jamais conseguiria oferecer. Esperança porque só a diversidade pode nos fazer enxergar quem realmente somos e moldar quem desejamos ser.
Foi grande alegria ter o projeto Arte e cultura no Brasil contemplado pelo Proac Editais. Graças ao patrocínio, muitas pessoas podem fazer o curso. Metade das vagas é disponibilizada gratuitamente, após um processo seletivo baseado na motivação dos interessados. A outra metade é oferecida a preços acessíveis, particularmente para professores e estudantes, público que tem 50% de desconto em todos os cursos da minha plataforma.
Para quem não sabe, Proac é o Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas do Governo do Estado de São Paulo. O curso Arte e cultura no Brasil começa em 04 de março de 2024 e para saber mais é só clicar aqui.