Luz rosa sobre cinza, uma lembrança do Duda Sinkevisque

Piet Mondrian, Composition in Blue, Grey and Pink, 1913. Óleo s/ tela, 88 x 115 cm. Kröller-Müller Museum, Otterlo

Piet Mondrian, Composition in Blue, Grey and Pink, 1913. Óleo s/ tela, 88 x 115 cm. Kröller-Müller Museum, Otterlo

Por Eduardo Sinkevisque

em 1997 Magnólia Costa defendeu seu doutorado sobre o pintor histórico (e inventor da paisagem como gênero, isso ela demonstra) Nicolas Poussin. era uma tarde na USP. eu não estava lá. o leitor já saberá como sei isso, entre outras coisas que narrarei, nesta crônica prometida, anunciada desde ontem à noite. João Adolfo Hansen, à altura, era meu orientador de mestrado. era fim de ano quase. eu havia sido contemplado com uma bolsa investigação Cátedra Jaime Cortesão / Instituto Camões. viajei para Portugal no início de dezembro, assim que entrei em recesso das aulas que eu ministrava na universidade e no ensino médio. antes de mim, Hansen foi a Portugal para um congresso internacional sobre Vieira. e foi justamente no dia da defesa da Magnólia. há no exemplar dele, que ele leu, para além das anotações da arguição que fez, um bilhete ao prof Leon Kossovitch, orientador de Magnólia, dizendo: eu preciso sair até às 17:30, embarco em seguida para Portugal. não sei a que horas acabaram as arguições, nem em que hora daquele dia Magnólia se tornou doutora. eu não a conhecia à época. eu não estava lá na assistência. eu estudava gênero histórico, em particular, luso-brasileiro, em particular a produção textual de Sebastião da Rocha Pita. embora Poussin seja um pintor orador, como definiu ontem Magnólia, em live de lançamento de seu livro “Nicolas Poussin - Ideia da Paisagem”, a pintura, mesmo a de história, não estava ainda no meu horizonte de expectativa, nem de perspectiva. embora retórica fosse o que eu estudava e Magnólia também, eu estava mais voltado para filologia, critica textual do que para homologias discurso / pintura, como foi o caso em meu doutorado. e é esse o ponto em que me faz chegar à Magnólia. nos anos 2003 / 2004 eu estava para defender meu doutorado. nele eu estudei discursos e pinturas das guerras holandesas no Estado do Brasil do século XVII. Leon Kossovitch tinha sido da banca de meu exame de qualificação. não me lembro se foi ele, se foi Hansen, ou se em conversa durante o exame, surgiu o nome Magnólia Costa. e o nome Poussin, pintor de história. a cópia da tese que Hansen leu quando foi banca da tese de Magnólia me chegou às mãos. eu a tenho até hoje. ela tem as anotações de Hansen e as minhas. tem um poema que escrevi a lápis para o Filé, meu cão basset hound, que era meu companheiro de doutorado, das manhãs de leitura para escrever tese. nunca devolvi o exemplar do Hansen da tese de Magnólia. ele está aqui ao meu lado. voltei a ele hoje não apenas para escrever esta crônica. voltei, porque quero rever também as duas notas que citei em meu doutorado quando Magnólia cita o tratadista de arte histórica que estudei, trazendo-o em cópia da Biblioteca Pública Municipal do Porto (PT). Magnólia leu Agostino Mascardi na Biblioteca Nacional da França, em Paris. com ele define estilos, aplicando-os na análise da pintura de Poussin. estilo alto, sublime, principalmente. no Brasil, ao que eu saiba, até Magnólia ler Mascardi, e eu, poucos anos depois, não se falava do tratadista. ninguém o conhecia. eu li a tese de Magnólia, a princípio, porque me interessava ver como ela analisava “paisagem”, que eu discuto em minha tese como "vistas topográficas" (topografias) ao lado das pinturas narrativas, de história, cenas bélicas e das “pinturas de natureza” (naturezas mortas), “pintura de verduras”. no século XVII paisagem era ornato da pintura narrativa, das cenas, da pintura de história. aprendi isso com Magnólia e estudando as imagens dos corpora de meu doutorado. quando encontrei a referência a Mascardi, na tese da, então, aluna de Leon Kossovitch, fiquei enlouquecido. precisava conhecer Magnólia, conversar com ela. William Feitosa (hoje meu irmão, amor de sempre) tinha sido aluno dela na FAAP. um dia contando a ele o achado na tese, a coisa da citação da preceptiva do Mascardi, ele me diz ter sido aluno dela e saber como a contatar. para encurtar a história, Magnólia foi o rosa mais rosa de luz na banca da defesa de meu doutorado. ela estava de roupas rosa, eu de camisa rosa, e o prof. Manoel Salgado Guimarães também de camisa rosa. formamos o trio rosa daquela tarde. a defesa é outra história. esta crônica é para lembrar essa massa de tinta rosa, esse desenho de cor rosa tendo ao longe aquela mesa. o exemplar da tese que ontem foi lançada como livro pela Edusp (já não era sem tempo), me faz ficar sobre ele escultura de Rodin. me faz, sobretudo, mais do que ter a oportunidade de reaprender, de Magnólia Costa rever. me rever. nos rever. e, por que não, Filé rever.

Conheça a produção de Eduardo Sinkevisque no blog Menos.

ArtigoMagnólia Costacrônica