Nicolas Poussin: Ideia da paisagem

Nicolas Poussin, Calmaria, 1650-1. Óleo s/ tela, 99 x 131 cm. Cortesia: J. Paul Getty Museum, Los Angeles

Nicolas Poussin, Calmaria, 1650-1. Óleo s/ tela, 99 x 131 cm. Cortesia: J. Paul Getty Museum, Los Angeles

Várias pessoas me perguntam por que dediquei tantos anos a pesquisar o pintor francês Nicolas Poussin. No Brasil, há apenas uma obra dele, Himeneus travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo (1634-8), que pertence à coleção do MASP e provavelmente é a única de sua autoria em um museu latino-americano.

Meu interesse por Poussin certamente não foi motivado pelo contato assíduo com suas pinturas, mas pelo lugar que elas ocupam na arte ocidental. Poussin é um gigante. Foi um dos artistas mais apreciados em Roma, onde viveu e trabalhou durante quarenta anos, e referência máxima da arte francesa do século 17. Grandes pintores seguiram seus passos, entre eles David, Ingres, Cézanne e Picasso.

Foi a mistificação em torno de Poussin que me atraiu. Em minha pesquisa sobre as origens da crítica de arte, no século 18, encontrei inúmeras referências a Poussin. Nos Salões de Diderot, sobre os quais acabo de publicar um artigo, Poussin era citado como modelo de artista, o “pintor perfeito”.

Bastou alguns meses de trabalho para eu entender o tamanho da encrenca onde tinha me metido. Poussin morreu em 1665, e desde então é objeto de estudo. A bibliografia em torno dele é tão monumental quanto sua obra. O que eu poderia dizer sobre ele que já não tivesse sido investigado e debatido pelos críticos mais eruditos do mundo? Que responsabilidade!

Sou filósofa de formação e interessada em arte desde criança. Descobri a retórica quando ingressei na pós-graduação, e foi conhecendo cada vez melhor os mecanismos de apropriação dos preceitos retóricos no discurso das artes que encontrei a chave para analisar os gêneros de pintura que Poussin explorou.

Além da história, nos seus vários subgêneros, Poussin pintou paisagens de sua invenção. Nos tratados que eu lia, as cenas de paisagens eram sempre referidas como ornamentos, não como um gênero autônomo regido por regras específicas. Também entre os biógrafos de Poussin, pessoas que ocupavam as posições mais eminentes no meio artístico do século 17, não havia menção a essas pinturas, que eram evocadas pela ação que mostravam, não pela singularidade da composição. Na Roma em que Poussin trabalhou havia pintores de paisagem que não praticavam a pintura histórica e, por isso, eram vistos como artistas menores pelos teóricos daquele tempo. Inversamente, naquele contexto, seria impossível admitir que Poussin pintava paisagens sem que seu que ele fosse rebaixado do lugar de mestre.

Essas constatações me levaram a perceber que havia algo mal compreendido na arte de Poussin. Por que ele pintou paisagens? Que princípios observou para conceber composições desse tipo? Qual o lugar delas no conjunto de sua obra? Por que não foram reconhecidas pelo seu gênero?

Meu livro Nicolas Poussin: Ideia da paisagem propõe respostas a essas perguntas e mostra como o artista ajudou a construir um gênero que iria nortear o trabalho de inúmeros pintores ao longo de três séculos e inspirar um modelo de jardim consolidado na Inglaterra do século 18 e que ainda ecoa no paisagismo de parques do mundo inteiro.

Mais de vinte anos se passaram do meu doutoramento. Hoje tenho a alegria de lançar essa tese em um livro editado primorosamente pela Edusp. Felipe Chaimovich assinou os textos de orelhas e quarta-capa, que podem ser lidos no bloco seguinte. O livro pode ser adquirido na loja virtual da Edusp

O lançamento virtual acontece no dia 26 de novembro às 18:00, com uma aula aberta sobre a pintura de paisagem em Poussin. O vídeo com a íntegra da aula está disponível aqui.

Sobre Nicolas Poussin: Ideia da paisagem

Felipe Chaimovich

 Neste livro surpreendente e esclarecedor, a filósofa e crítica de arte Magnólia Costa redesenha nossa compreensão sobre a paisagem ocidental. Para a autora, o pintor Nicolas Poussin (1594-1665) modificou definitivamente o estatuto do gênero artístico da paisagem, ao conferir um caráter heróico às cenas minuciosamente projetadas. Para tal, munia-se do repertório dos filósofos, estudando e seguindo preceitos de antigos e modernos que pautavam os debates eruditos de Roma e Paris na metade do século 17. E foi como rigoroso seguidor de regras que Poussin deu voz à paisagem.

Essa mudança na história da paisagem conferiu a Poussin um papel central no desenvolvimento desse gênero de quadros na Academia Real de Pintura e Escultura de Paris, pois ele foi o grande modelo seguido na instituição responsável pela própria definição e hierarquização da arte acadêmica ocidental desde a década de 1650. A autora percorre e analisa o debate acadêmico e suas referências, o círculo dos encomendantes de obras de Poussin e seus códigos secretos, os artifícios cenográficos usados para inventar suas composições. O livro destaca a busca de Poussin pelo conceito ou ideia como princípio da obra de arte, pelo desenho que ordena e guia a execução do artista, pela obediência aos mestres. E como tal rigor permitiu fundamentar uma valorização inédita da paisagem.

A riqueza de fontes da pesquisa espelha-se nas generosas notas de texto agrupadas na parte final do volume, contendo trechos nas línguas originais, traduções e comentários. Assim, o texto pode ser lido de modo dinâmico, ou complementado pela consulta às notas; a relevância dos trechos citados justifica, ainda, o interesse do livro como compilação das maiores referências da arte acadêmica.

Ilustra esse fascinante percurso intelectual e artístico, uma completa galeria da obra de Poussin e dos pintores de seu tempo, analisados à luz dos conceitos que pautavam o debate do período: a ideia, o desenho, a cor, os gêneros da arte, a invenção, o deleite. E, transitando entre o regrado e o novo, surge um vívido retrato do artista que modernizou a história da paisagem, tendo seu impacto chegado até Cézanne.

Confira a resenha do livro publicada no site Vitruvius.